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"escutando" 22/03/2017,4af. 10:25h.
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Fonte da Saudade sossegada. Um antigo Outro
Circo dos infernos

Rio de Janeiro, 22/03/2017, 4af. Sou o coelho do circo e quero dizer algo às novas gerações.
Enquanto sou devorado pelo leão, escrevo no banquinho do elefante.
Esse leão desgraçado que me devora era um bonito leãozinho que brincava com o
filho do domador. Foi crescendo e um dia, arranhou a canela do garoto.
Passaram a lixar-lhe as unhas.
Anos depois, o novo domador foi mordido no joelho pelo jovem leão em treinamento.
Passaram a lixar-lhe os dentes e cortar-lhe, mais miúdo, a carne.
Com o tempo, o cuidador foi ficando cansado e passou a comprar carne moída,
ficando com o troco, por se tratar de carne de 3ª.

O leão, nostálgico de uma dentada, mordeu novamente o domador; dessa vez, no lombo distraído.
Arrancaram-lhe os dentes.

O circo entrou em decadência e ninguém reparava em nada.
Uma vez, o mágico custou a tirar-me da cartola e culpou minha gordura.
Fui substituído por umas pombas sonolentas e fiquei no colo da bailarina do cavalo.
O número consistia em uma volta dela sobre o cavalo comigo no colo.

No período das chuvas o caminhão da lona principal atolou e o circo acampou entre cidades.
A diretoria alegou reunião com o Prefeito da cidade próxima e sumiu.
O pessoal de apoio improvisou um abrigo para o picadeiro, voltou para seu vagonete e não saiu mais.
Treinando ficaram; dois palhaços tentando um número novo; o domador tentava fazer o leão pular um aro e
a bailarina, sem o cavalo, ficou me segurando no colo. Assistíamos os 4 artistas na parte seca do
picadeiro mas a chuva virou, a bailarina me botou no chão e se mandou.
Logo depois, o domador saiu da jaula e sumiu. Um dos palhaços escorregou na lama e os dois riram;
também sumiram.
Ficamos eu e o leão. O tamborete do elefante estava no lado meio seco da jaula e pulei nele.
Fiquei olhando o leão sonolento e deitado perto do aro. Dormi.
Acordei com uma fisgada horrível na virilha e percebi que ninguém se lembrava que as unhas crescem eternamente.
Pelo gancho doloroso fui encaminhado para a boca desdentada do leão que começou a me chupar a anca ensanguentada.
Horrível! Horrível! Me agarrei na borda do tamborete e arranho isso aqui rezando para algum ser humano aparecer; ou um raio cair.